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Aspectos práticos da alteração legislativa trazida pela Lei nº 14.532/23 e o crime de injúria racial

Toth Gomez • fev. 02, 2023

No último dia 11 de janeiro de 2023, foi promulgada a Lei nº. 14.532/2023 que alterou a já sancionada Lei dos Crimes Raciais (Lei nº 7.716/1989) e o Código Penal, para tipificar a injúria racial como crime de racismo. Para além da pena e da ação penal, a mudança legal ainda trouxe alterações como causa de aumento de pena e suspensão de direitos para os agentes. Mas, o que estas alterações afetam o judiciário e a sociedade civil, do ponto de vista prático? Vejamos. 

   A alteração legal, em resumo, inclui a injúria racial no rol dos crimes raciais (e não de ofensa à honra), dispostos em lei própria (art. 2º-A da Lei nº 7.716/1989), separando-a das demais espécies de injúria pautadas no preconceito (elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência), hipótese que permanece no art. 140, § 3º do Código Penal. 

 

    Assim, a injúria racial (ofensa à dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional) equipara-se ao crime de racismo, agravando-se a pena à reclusão de 2 a 5 anos e multa. Também se aumenta a pena à metade se o crime for cometido por 2 ou mais pessoas. 

 

    Quando cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, a pena será aumentada de 1/3, enquanto de 1/3 à metade se a injúria ocorrer em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação, podendo o autor ser proibido de frequentar, por 3 anos, locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público. 

 

    Para além da reparação de caráter histórico e pedagógico, tão necessária num país que se fundou e onde emergem classes privilegiadas em detrimento da população negra, sempre marginalizada nas políticas públicas desde a escravidão, a equiparação da injúria racial ao crime de racismo vem de uma mobilização da sociedade civil e de juristas negros e antirracistas, para limitar viabilizar a responsabilização correta dos agentes perpetradores de injúrias raciais. 

 

    Isto porque referida diferenciação mais alinhava-se à uma manobra para afastar os acusados das consequências jurídicas oriundas do cometimento de crime de racismo, do que efetivamente promover alguma limitação legal de alcance e adequação da aplicação de pena. Há muito adaptavam-se os casos de racismo à injúria racial por ser menos gravoso e mais passível de oferecimento de determinados benefícios como transação penal ou suspensão condicional do processo. 

 

    Além disso, a ação de injúria racial que antes dependia de representação da vítima dentro do prazo de 6 meses do conhecimento da autoria, agora passa a ser ação penal pública incondicionada, cujo titular da ação penal – Ministério Público – não mais depende que a vítima autorize a continuidade da persecução penal, além de afastar a imposição do decurso de prazo. 

 

    Muito embora a lei tenha sido recém promulgada, a equiparação da injúria racial como crime de racismo já havia sido entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal, desde 2021, no julgamento do Habeas Corpus nº 154.248, no qual se discutia a prescrição no crime de injúria racial. 

 

    A Lei nº 14.532/23 mostra-se como um avanço nas políticas antirracistas e na erosão da falaciosa ideia de que vivemos sob uma “democracia racial”. A adequada responsabilização de indivíduos racistas, com o devido peso a que a repugnância de seus atos demanda aos julgadores e a sociedade como um todo, é um degrau importante conquistado pela população brasileira, a qual, talvez por uma ironia do destino, seja predominantemente negra. 


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